terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Conto do Otávio



Otávio Linhares , além de amigo querido, é filósofo, historiador, ator ducaralho e barista internacionalmente premiado. Aqui vai um conto dele mostrando sua faceta de também escritor.


Aquele dia foi especial demais. Estava tudo armado para que fosse. Uma conversa na Internet, umas fotos trocadas, uns e-mails, até a voz dela eu já tinha escutado em um telefonema surpresa que recebi há uns dias atrás. Fiquei muito emocionado. Era a voz mais linda que eu já havia escutado. Também, pudera, estava apaixonado! Qualquer “peidinho de véia” e eu me borrava todo. Enfim, eu estava me preparando para o nosso primeiro encontro ao vivo e a cores.

- Calça, camisa, sapato... não, sapato não. Tênis! Boa, isso mesmo, tênis é mais confortável e me deixa mais à vontade.

Estava nervoso demais e não sabia o que vestir. Qualquer coisa serviria. Imagine você que a minha preocupação era com a roupa, sendo que ela, segundo o que ela me disse, também, estava apaixonada e o que menos importava nesse momento era a roupa ou o presente, mas... eu era muito jovem pra entender dessas coisas: amor, paixão, tempo... Amor é igual vinho da Bordeaux, igual a ator de teatro, é igual a amar e... “amar é a eterna inocência, e a única inocência é não pensar”.
Muito bonito tudo isso, mas, o problema é que eu não tinha um presente. Que ele não era importante eu já sabia, mas, ele ainda não sabia e estava ficando desesperado porque ainda não tinha achado o mísero presente.

- Que droga! Eu sabia que tinha esquecido alguma coisa. É óbvio! Jorge Manoel sempre esquece alguma coisa. Cadê o presente? Puta merda! O que é que eu vou dar a ela? Já sei!

Tendo a idéia mais brilhante de sua vida pensou rapidamente no mais fácil.

- Darei a ela meu livro mais importante. Acho que isso é importante, ou não é? Deve ser. Uma boa leitura é sempre importante e ele não é muito grande. Ela vai gostar!

Tão nervoso que esqueceu o perfume, a carteira...

- Ah! Um perfume pra dar uma força!

A carteira...

- Ah! A carteira.

As chaves do carro...

- Vou a pé, assim no caminho penso em algumas coisas boas para dizer a ela.

Quem dera soubesse ele que dizer apenas que a amava já seria suficiente. Saiu de casa com o ponteiro às 15:00 hs. Havia marcado com a tal moça às 17:00 hs na praça da avenida central e, como foi a pé, não queria se atrasar. No caminho pensou em várias bacanas para dizer a ela... quero dizer, babacas! Coisas babacas que só um ser apaixonado diz a uma ser apaixonada e vice-versa. Tudo bem, eu acho. São coisas do coração.
Enfim, saiu às 15, chegou às 16, esperou uma hora e nada! A pracinha até que era bonitinha. Apesar de ser central a movimentação era pequena e, de certa forma, organizada. Pouca sujeira, vendedor de pipocas... Ah! Ele comprou pipocas e, sim, ele jogou pipocas para as pombinhas que passeavam pela pracinha bonitinha e depois sentou em um banco de madeira e esperou mais um pouco.
Como dizia minha avó: “cabeça vazia é oficina do diabo”! E pela sua cabeça começaram a passar coisas estranhas, do tipo que só aparecem em momentos estranhos. Coisas avessas a tudo o que foi dito ou pensado nos últimos 30 dias. Não só começou a achar que ela não vinha mais como, também, achou que as fotos e o telefonema eram falsos, típico comportamento de Internet. Talvez, ela fosse simplesmente uma maníaca que ludibria as pessoas com telefonemas obscuros e fotos arranjadas e marca encontros estranhos e não aparece. Ou não fosse nada disso e ele está alucinando com coisas mais simples do que parecem.

- E se ela estiver agora atrás de mim, vendo o meu nervosismo, e está apenas esperando para me dar um susto e depois um beijo e depois um abraço e outro beijo e andar de mãos dadas e mais um beijo e namoro e mãos dadas e pipoca às pombas e outro beijo e outro abraço sim eu aceito e mais pipoca boa noite eu te amo acorda amor e mais um beijo que lindo o seu bebê um beijo eu não posso vou pensar nisso senta aqui claro que sim um beijo bom dia R$ 50,00 alô quanto boa noite sai da frente 20º andar explode em Londres diretamente do Japão para você duzentos gramas açúcar beijo no rosto olá Jorge Manoel sai daí moleque que lindo o seu bebê quatro dúzias Jesus te ama trocar a cortina amarrar o cadarço molhar plantas pagar levar trazer deixar calar ouvir gozar saber pular tentar dizer com amor... um beijo.

Pois é, a vida é dura. E o pior é que ele tinha ido ao encontro a pé. Mas, pegou um ônibus e parou num barzinho ao lado de casa. Tomou uns tragos, o suficiente para deixá-lo mais leve, nada mais.

Eu costumava dizer que, assim, a cabeça me deixa dormir.